O Inicio - *Como tudo começou*

A ideia de construir um blogue sobre a *Hiperactividade* surgiu numa noite em que voltava de uma viagem bastante longa.
Duas semanas antes aconteceu-me algo inesperado e que mudou a visão que eu tinha e a sensibilidade também de uma dura realidade, e das enormes dificuldades e falta de informação que existe disponível para todos os pais sobre esta perturbação que afecta cada vez mais crianças e seus familiares.
Conheci neste dia várias crianças e pais como acontecia sempre que me deslocava a Lisboa ou a outras cidades do País, casos impressionantes, (por vezes desesperadores e angustiantes), mas nesta tarde fria de Setembro…houve alguém que tocou-me devastadamente (posso afirmar sem o mínimo exagero) e mudou de uma certa forma a minha vida dali em diante.
Numa sala enorme de espera, como sempre era hábito encontrar, eis que entra uma mulher acompanhada de dois bombeiros, trazia no seu rosto um desespero angustiante ….o seu estado era de tal maneira desesperador que que pela primeira vez tive .. de sair para deixar uma sala de espera..para deixar sair as lágrimas que estavam desesperadamente implorando para sair e deslizarem pelo meu rosto…simplesmente não aguentava ver tanto sofrimento numa mãe..que muito pior do que eu receava pela vida do seu filho….(devido a um traumatismo craniano grave, o terceiro em poucos meses…) foi um pouco demais para a minha sensibilidade.
Em poucos minutos chorei tudo o que tinha para chorar..até ficar com uma enorme dor de cabeça e as lágrimas se dispersarem, e aperceber-me que não era esta a atitude mais correcta para alguém adoptar, alguém que está mal, mas que lá dentro daquela sala existe alguém muito pior…e a precisar de ajuda, não era supostamente desta maneira que eu ficaria melhor e muito menos esta mulher que se apresentava muito fragilizada. Reagindo deste modo eu não conseguiria fazer algo para a ajudar. Limpei então muito bem o meu rosto e entrei na sala de novo, sentei-me muito próximo desta mulher que era uma desconhecida…não sabia o seu nome, nem de onde viria, e não precisava saber…apenas a olhei de frente e disse:
- Minha Senhora …neste momento não está só…agora tem aqui na sua frente uma desconhecida, mas alguém que a compreende e quer compreender a sua dor (se a quiser partilhar comigo) e acima de tudo deseja ajudá-la se conseguir. (Jamais esquecerei o seu olhar quando eu proferi estas palavras), então esta mulher fixou o seu olhar fragilizado nos meus olhos, as suas lágrimas pararam de deslizar pelo seu rosto cansado, e segurou nas minhas mãos que estavam na sua frente, tremiam mais do que alguma vez senti em alguém e disse-me baixinho:
- Mas eu só tenho dor e sofrimento …(e neste momento quase que as suas lágrimas teimaram em sair de novo dos seus olhos sombrios e pálidos).
Neste momento eu tinha o coração mais apertado do que nunca, mas consegui dizer-lhe:
- A sua dor e sofrimento é por todos nós certamente (mas por mim ao certo) compreendida, todos nós que aqui estamos presentes conhecemos e comprendemos de alguma forma o seu desespero, estou aqui tenha esperança , tudo irá ficar melhor..vai ver!
As suas palavras ganharam forma então….e alguma segurança, uma forma extremamente dolorosa e uma realidade verdadeiramente dramática.
Após o seu doloroso e longo desabafo, naquele momento senti uma enorme vontade de pedir-lhe permissão para lhe dar um beijo nas suas mãos, um beijo de muita admiração e um profundo e muito sentido respeito, mas não o fiz, fiquei em silêncio profundo por momentos…era de tal forma dramático a sua história que não existia nem uma palavra possível para reconfortar esta mulher. Após uns minutos e eu conseguir recuperar, dirigi-me à minha pasta onde tinha dentro dela um livro (que havia comprado uns dias antes, mas que mal tinha conseguido ter tempo para ler algumas páginas…o meu primeiro livro sobre a *hiperactividade*, e sem ter sequer ter tido tempo de ter lido duas páginas, coloquei-o nas mãos desta Senhora, que não o queria aceitar de forma alguma…mas a minha insistência foi superior, eu disse para o ler..que certamente iria ajudá-la de alguma forma.
(na realidade era um livro que eu queria muito ler…esperava encontrá-lo havia meses…mas sabia que onde encontrei este iria encontrar os que desejasse e em qualquer outro dia o podia adquirir, e senti naquele instante que existia alguém que necessitava dele mais do que qualquer outra pessoa. Depois de muita insistência consegui que o livro fosse aceite como presente.
Passados minutos dirigiu-se perto de nós um médico, a pedir para os pais daquele menino o acompanhar para irem ver o seu filho acordar.
A mãe com a voz trémula e embargada disse ao médico:
- Estou só …com dois bombeiros Sr. Dr…só se….e olhou para mim.
-Só se esta senhora puder e quiser acompanhar-me, o médico olhou para mim e eu com um gesto positivo disse que gostaria muito de o fazer, o médico concordou e pediu-nos para o acompanhar até uma sala própria, onde uma enfermeira nos deu umas roupas hospitalares para usarmos. Já preparadas acompanhamos a enfermeira na direcção a um quarto.
Os meus braços emparavam aquela pessoa que chorava inconsolavelmente enquanto caminhava na direcção onde estaria o seu filho. Chegamos finalmente…à beira de uma cama onde o menino ainda dormia…segurei numa das suas mãozinhas e disse:
- Pronto agora já passou tudo a tua mamã está aqui…vai ficar tudo bem!
E aconteceu algo maravilhoso, a mãe deste menino parou de chorar e reagiu de uma maneira surpreendente, com uma coragem impressionante, as suas lágrimas deram lugar a um sorriso contagiante e uma segurança incrível.
Após uns minutos o seu filho acordou de uma anestesia e a primeira coisa que disse à sua mãe foi:
Mamã estás a sorrir…que bom que é.
Eu aproximei-me desta mulher e disse-lhe:
- Agora já posso ir…vou deixá-los a sós…espero na sala e não irei para casa sem me despedir, isso garanto - lhe.
Nem deixei que me dissesse fosse o que fosse disse-lhe que tinha um menino muito bonito para olhar naquele mesmo instante.
Sai e aproximei-me da sala onde iria levantar um exame que o meu filho tinha feito havia precisamente duas semanas. (o mesmo exame que este menino tinha feito neste dia)
Quando estava terminando de levantar o exame, ouvi uma voz encantadora procurar-me na sala porque queria despedir-se de mim…tinha o seu filho já na ambulância para se dirigir a sua casa numa longa viajem que os esperava.
Ficou na beira da ambulância…com as lágrimas a quererem sair de novo, enquanto se abraçava nos meus braços…a dizer obrigada, obrigada… não a deixei dizer nem mais uma vez…aproveitei para lhe dizer o meu nome e dar-lhe o meu contacto, (Já estava na hora de pelo menos o meu nome dizer-lhe) e a promessa de procurar-me sempre que precisa-se de algo ou simplesmente de falar com alguém. Trocámos os nossos contactos e um sorriso de esperança.
Foi a única vez que me recordo de ter sentido uma enorme paz e alegria ao despedir-me de alguém.
No regresso para casa pensei para comigo que tinha de fazer algo por pessoas como esta senhora que tinha conhecido, e que todas elas precisavam de um pouco de atenção.
Infelizmente os profissionais de saúde e os técnicos nem sempre podem e sabem dar.
Ao longo dos anos tenho dedicado todo o tempo possível a esta causa, obter o máximo de informação possível em livros, estudos cientistas e médicos, mas especialmente em ouvir as mães destas crianças que enquanto estão por tempo indeterminado à espera dos seus filhos que estão em consultas ou terapias…simplesmente sentem uma necessidade enorme de partilhar e pedir auxilio mesmo que essas pessoas sejam meros desconhecidos, partilhar a sua experiência e as suas angustias, as suas dúvidas e fragilidades.
Por tudo isto e muito mais eu não tenciono desistir de tentar melhorar a qualidade de vida do meu filho e das outras crianças.
Um dos projectos mais desejados é certamente conseguir que uma delegação da criança hiperactiva seja instalada no meu concelho, um dos mais carenciados do país, e desta forma poder facilitar o acesso aos recursos médicos e humanos que simplesmente não existem.
Sei que o caminho é longo, muito longo e difícil, mas também sei que se não desistir um destes dias poderei ter uma única hipótese de conseguir concretizar os meus projectos e nessa altura irei agarrar essa oportunidade com todas as minhas forças.